SUFOCO
GALERIA CISTERNA [Lisboa, Portugal] | texto de João Macdonald
ANA VELEZ - JOANA GOMES - MARIA SASSETTI - XANA SOUSA


As obras das quatro artistas do Atelier Contencioso [existente desde 2015] são uma emanação do período de confinamento e agitam-se à volta da ideia de unheimlich que lhes foi lançada, tal como pensada por Sigmund Freud em 1919 [um texto, portanto, publicado perto do fim da pandemia de então]: aquilo que é simultaneamente não familiar e familiar, gerador de auto-estranheza. O território desse desconforto existe dentro da casa – o limite [em todos os sentidos] onde temos tentado re-existir no período recente.


JOANA GOMES

As pinturas apropriam-se de fotogramas de Hijōsen no Onna (Dragnet Girl, 1933) de Yasujirō Ozu e Zerkalo (Sacrifício, 1975) de Andrei Tarkovsky, filmes de grande poética. No primeiro, um abraço contido; no segundo, uma casa arde. As linhas que interrompem estas imagens funcionam como instruções para reflectir, com cadência espaçada, sobre a tensão nelas existente, obrigando a prolongar ainda mais o tempo e leitura da moving picture original. E, se quisermos, a fazer coincidir ali o emocionalmente vivido no presente: pode ser um campo alegórico (o contra-campo do observador, dir-se-ia) para os efeitos mentais de um determinado autoritarismo consequente da profilaxia anti-pandémica; a intimidade está legislada e a habitação, lugar sagrado, implode.

O recurso ao filmado tem sido usual na artista, mas aqui leva-o a uma fusão maior com a matéria, em evolução de acções anteriores onde as imagens eram projectadas sobre a pintura. O resultado mantém-se uma rejeição forte do representativo, e as linhas perturbadoras, como a artista propõe, remetem para uma película gasta mas simultaneamente actual, por via do que flui daqueles corpos.

João Macdonald, 2021