DOUBLE POETICS
GALERIA BELO-GALSTERER [Lisboa, Portugal] | curadoria de Inês Valle
JOANA GOMES
18. 10. 2019 — 18. 01. 2020
Propriedade do Branco – entender os seus interstícios
Joana Gomes é uma artista cujo trabalho se foca no paradigma da pintura para investigar valores conceptuais, formais e materiais. Através da sua obra ela convida o observador a explorar e a absorver a força da obra de arte, através de múltiplos elementos iconográficos, com o propósito de, para além da comunicação, o levar a uma aproximação mais profunda do que é a sua obra, desafiando-o a ver o significado, sobretudo para encontrar e assimilar o seu conteúdo mais intrínseco.
Segundo o filósofo Georges Didi-Huberman em “Ce que nous voyons, ce qui nous regarde”, o acto de ver uma imagem não é tão importante como o que torna visível o objecto observado. Desta forma, ‘entre quem olha e quem é observado’, encontra-se um espaço físico e temporal, que permite desencadear o processo de observação crucial para a compreensão de uma obra de arte.
Este entendimento conceptual sobre a forma de ver e tornar visível, está veementemente presente na obra de Joana Gomes. A sua prática artística advém de uma formação clássica em Belas Artes sobretudo em pintura e gravura. Muitos dos seus estímulos e inspirações revelam também um forte cunho do uni verso cinematográfico. Esta amálgama de domínios artísticos, no processo mental da construção da imagem, desencadeia consequentemente uma série de sistemas de comunicação com o observador – cores, formas, materiais – e influencia as metodologias utilizadas na sua obra para gerar espaços/tempos de silêncio e auto-reflexão, os quais podem estar relacionados com a teoria de Deleuze de que ‘a história no cinema acontece na transição entre a imagem-acção e imagem-tempo’. Este interlúdio existe na aplicação rigorosa da cor branca, sendo usada para criar ritmo e controlar a imagem subjacente nas suas pinturas. A exposição individual – Double Poetics – apresenta uma selecção de obras do seu espólio e de experiências criativas recentes, que partilham momentos distintos, promovendo diálogos entre tempos de produção artística, que concomitantemente anunciam uma nova fase na sua obra. Assim, a exposição procura criar uma dialética entre a primeira, que abre/ fecha e a segunda, que ocupa a parte central do circuito desta exposição.
A primeira, uma série de pinturas de grandes dimensões que criam paisagens de cor e matéria que transcendem a tela, é composta por imagens ambíguas de ecossistemas que geram dúvida no que concerne ao modo de as observar, quer a uma escala microscópica ou a uma certa distância. Para mim, como mera espectadora, aceito que existem inúmeras formas de as olhar. Porém todas se correlacionam com o entendimento que cada um de nós tem do mundo e com o que nos permitimos aceitar e sentir no nosso universo sensível. Por exemplo, estas obras lembram-me algumas das extraordi nárias pinturas Aborígenes contemporâneas que vi serem criadas por artistas no Northern Territory na Austrália.
GALERIA BELO-GALSTERER [Lisboa, Portugal] | curadoria de Inês Valle
JOANA GOMES
18. 10. 2019 — 18. 01. 2020
Propriedade do Branco – entender os seus interstícios
Joana Gomes é uma artista cujo trabalho se foca no paradigma da pintura para investigar valores conceptuais, formais e materiais. Através da sua obra ela convida o observador a explorar e a absorver a força da obra de arte, através de múltiplos elementos iconográficos, com o propósito de, para além da comunicação, o levar a uma aproximação mais profunda do que é a sua obra, desafiando-o a ver o significado, sobretudo para encontrar e assimilar o seu conteúdo mais intrínseco.
Segundo o filósofo Georges Didi-Huberman em “Ce que nous voyons, ce qui nous regarde”, o acto de ver uma imagem não é tão importante como o que torna visível o objecto observado. Desta forma, ‘entre quem olha e quem é observado’, encontra-se um espaço físico e temporal, que permite desencadear o processo de observação crucial para a compreensão de uma obra de arte.
Este entendimento conceptual sobre a forma de ver e tornar visível, está veementemente presente na obra de Joana Gomes. A sua prática artística advém de uma formação clássica em Belas Artes sobretudo em pintura e gravura. Muitos dos seus estímulos e inspirações revelam também um forte cunho do uni verso cinematográfico. Esta amálgama de domínios artísticos, no processo mental da construção da imagem, desencadeia consequentemente uma série de sistemas de comunicação com o observador – cores, formas, materiais – e influencia as metodologias utilizadas na sua obra para gerar espaços/tempos de silêncio e auto-reflexão, os quais podem estar relacionados com a teoria de Deleuze de que ‘a história no cinema acontece na transição entre a imagem-acção e imagem-tempo’. Este interlúdio existe na aplicação rigorosa da cor branca, sendo usada para criar ritmo e controlar a imagem subjacente nas suas pinturas. A exposição individual – Double Poetics – apresenta uma selecção de obras do seu espólio e de experiências criativas recentes, que partilham momentos distintos, promovendo diálogos entre tempos de produção artística, que concomitantemente anunciam uma nova fase na sua obra. Assim, a exposição procura criar uma dialética entre a primeira, que abre/ fecha e a segunda, que ocupa a parte central do circuito desta exposição.
A primeira, uma série de pinturas de grandes dimensões que criam paisagens de cor e matéria que transcendem a tela, é composta por imagens ambíguas de ecossistemas que geram dúvida no que concerne ao modo de as observar, quer a uma escala microscópica ou a uma certa distância. Para mim, como mera espectadora, aceito que existem inúmeras formas de as olhar. Porém todas se correlacionam com o entendimento que cada um de nós tem do mundo e com o que nos permitimos aceitar e sentir no nosso universo sensível. Por exemplo, estas obras lembram-me algumas das extraordi nárias pinturas Aborígenes contemporâneas que vi serem criadas por artistas no Northern Territory na Austrália.
A percepção do seu significado varia, podendo ser consideradas puras obras abstratas de meticuloso trabalho artístico, ou obras mais imbuídas de simbolo gia histórico-cultural, podendo ser categorizadas, por exemplo, como mapas aéreos detalhados do território.
Nas inúmeras conversas que eu e Joana Gomes temos vindo a partilhar ao longo dos anos, consideramos que é na infinidade de interpretações que a sua obra apresenta, quer no seu aspecto técnico quer na força das formas criadas, que ela oferece ao público uma constante descoberta de múltiplas histórias e interpretações.
A Segunda, uma série de pinturas e desenhos, onde podemos observar uma vigorosa explosão de matéria através da cor, contida pelo silêncio e ritmo formal da geometria branca que intercepta toda a obra. Linhas brancas verticais absorvem-nos para dentro da obra, e nos seus movimentos e ritmos fraccionados de cor, levam-nos a indagar sobre o papel das mesmas – se nos ocultam de ver a obra na sua totalidade ou se são uma proposta de tempo/ espaço, onde somos convidados pela artista a respirar fundo e ter tempo para compreender o próximo espectro de cor.
Em ambos os momentos, os elementos visuais relacionam-se. Semelhante ao que acontece no cinema, onde um realizador é reconhecido pelo espectro de cores que aplica nos seus filmes, também na obra de Joana Gomes encontramos este pressuposto. Os seus trabalhos resultam de harmonias cromáticas de cor – verde, rosa, vermelho ou azul, rosa, amarelo – cujos equilíbrios tonais fazem ressoar o seu trabalho no mundo. A cor branca, um dos elementos eleitos na sua obra, formalmente domina na obra, tanto ao nível de elemento estrutural ou de alicerce, como de elemento pictórico que ‘soluciona’ a pintura, ao criar véus e linhas que fluem pela obra e ocultam elementos que a artista decide omitir ao espectador.
Numa das suas pinturas mais recentes – “Lente” – Joana Gomes experimenta com a forma circular quase que como uma espécie de provocação para quem a observa. Um jogar com a noção conceptual de voyeurismo e com a de uma lente microscópica que olha sobre o mundo. Como podemos encontrar no resultado estético desta obra, assemelhando-se a uma alga unicelular muito especial – a Diatomácea - um ser, que podemos encontrar tanto no oceano como e em terra, e que hoje se acredita ser responsável pela produção de cerca de 20% do oxigénio consumido anualmente no nosso planeta Terra.
Portanto, podemos compreender este corpo de trabalho artístico, como um intenso jogo panóptico de formas e cores, repleto de significados que a artista usa para exceder os limites da obra de arte e, em cada imagem criada, uma nova forma de sabedoria/ conhecimento é-nos revelado.
Texto de Inês Valle, Setembro de 2019
Nas inúmeras conversas que eu e Joana Gomes temos vindo a partilhar ao longo dos anos, consideramos que é na infinidade de interpretações que a sua obra apresenta, quer no seu aspecto técnico quer na força das formas criadas, que ela oferece ao público uma constante descoberta de múltiplas histórias e interpretações.
A Segunda, uma série de pinturas e desenhos, onde podemos observar uma vigorosa explosão de matéria através da cor, contida pelo silêncio e ritmo formal da geometria branca que intercepta toda a obra. Linhas brancas verticais absorvem-nos para dentro da obra, e nos seus movimentos e ritmos fraccionados de cor, levam-nos a indagar sobre o papel das mesmas – se nos ocultam de ver a obra na sua totalidade ou se são uma proposta de tempo/ espaço, onde somos convidados pela artista a respirar fundo e ter tempo para compreender o próximo espectro de cor.
Em ambos os momentos, os elementos visuais relacionam-se. Semelhante ao que acontece no cinema, onde um realizador é reconhecido pelo espectro de cores que aplica nos seus filmes, também na obra de Joana Gomes encontramos este pressuposto. Os seus trabalhos resultam de harmonias cromáticas de cor – verde, rosa, vermelho ou azul, rosa, amarelo – cujos equilíbrios tonais fazem ressoar o seu trabalho no mundo. A cor branca, um dos elementos eleitos na sua obra, formalmente domina na obra, tanto ao nível de elemento estrutural ou de alicerce, como de elemento pictórico que ‘soluciona’ a pintura, ao criar véus e linhas que fluem pela obra e ocultam elementos que a artista decide omitir ao espectador.
Numa das suas pinturas mais recentes – “Lente” – Joana Gomes experimenta com a forma circular quase que como uma espécie de provocação para quem a observa. Um jogar com a noção conceptual de voyeurismo e com a de uma lente microscópica que olha sobre o mundo. Como podemos encontrar no resultado estético desta obra, assemelhando-se a uma alga unicelular muito especial – a Diatomácea - um ser, que podemos encontrar tanto no oceano como e em terra, e que hoje se acredita ser responsável pela produção de cerca de 20% do oxigénio consumido anualmente no nosso planeta Terra.
Portanto, podemos compreender este corpo de trabalho artístico, como um intenso jogo panóptico de formas e cores, repleto de significados que a artista usa para exceder os limites da obra de arte e, em cada imagem criada, uma nova forma de sabedoria/ conhecimento é-nos revelado.
Texto de Inês Valle, Setembro de 2019




